A principal hipótese para explicar a nova onda de mortes que atingiu as cadeias de Manaus nesta semana é um racha entre lideranças da facção FDN (Família do Norte), a mais poderosa da região Norte. Parte dessa suspeita surgiu por meio de informações fornecidas pelos próprios criminosos em mensagens enviadas aos “filiados”.
O chamado “salve geral”, obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo explica em 1,6 mil palavras as razões para a divisão e como um dos grupos prepara a continuidade das atividades criminosas no Estado. O salve data de 27 de maio, segundo dia de ataques nas cadeias, que terminou com 55 mortos. “Esse salve é para expor a todos a maior conspiração de todos os tempos, toda sujeira que vamos apresentar aqui foi orquestrada pelo JB e passada através da mulher dele, a Sheila, para seus subordinados”, diz a mensagem.
JB é João Pinto Carioca, o João Branco, um dos expoentes da FDN, detido em uma unidade prisional federal, e a mulher citada é Sheila Maria Faustino Peres. O texto é escrito por quem supostamente João Branco pretendia atacar: aliados de José Roberto Fernandes, o Zé Roberto da Compensa, outro fundador da facção, também detido em presídio federal e chamado pelo Ministério Público Estadual de “o capo de tutti capi” (chefe de todos os chefes).
Investigação da polícia e do MP mostrou que Branco, Zé Roberto e um terceiro cabeça, Gelson Lima Carnaúba, o Mano G, articularam as ordens para a eliminação de integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital), no massacre que ocorreu em 2017, com 56 mortes.
Depois da eliminação dos rivais, a FDN passou a enfrentar divergências internas. “Tudo começou há muito tempo atrás quando o JB decidiu que queria ser o dono de tudo. Ele sabia que para ter sucesso teria que tirar nosso número 1 de cena”, continua o salve, referindo-se a Zé Roberto. Os investigadores têm delineado que João Branco pretendia criar uma dissidência maior que a facção original, que seria denominada FDN Pura.
Relatório de inteligência da Secretaria da Administração Penitenciária (Seap) do Amazonas, de 22 de maio, também mostrou que o sistema poderia sofrer uma nova instabilidade diante da tentativa do grupo de João Branco de tomar o poder.
Isso se deveria principalmente por uma suspeita de que o grupo de Zé Roberto estava perdendo espaço na venda de drogas e no interior dos presídios
Reviravolta
A inteligência mostrou, segundo o secretário da Administração Penitenciária, Marcus Vinícius Almeida, que o grupo dissidente pretendia atacar na madrugada de segunda para terça e o principal foco seria o Centro de Detenção Provisória Masculino. Mas o plano foi descoberto, e quem seria vítima agiu primeiro.
“O plano era matar de forma covarde, à base de trairagem, os principais cabeças da FDN-AM”, relata o salve do grupo de Zé Roberto. “Porém o plano não saiu como JB desejava e graças a Deus eles não conseguiram dar sequência na conspiração porque nós descobrimos.”
“Poucas pessoas na organização poderiam desafiar o Zé Roberto. João Branco é uma delas”, diz o procurador da República Edmilson Barreiros, que participou da Operação La Muralla, a primeira a investigar a organização da FDN em 2015.
Os investigadores acreditam que o grupo de Zé Roberto tenha deflagrado o ataque e assassinado 15 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). No dia seguinte, morreram 5 no CDPM e outros 25 no Instituto Penal Antônio Trindade.