Saúde infla repasses para dengue e distorce dados para minimizar impacto da doença

A pasta diz que a letalidade da doença neste ano é menor do que em 2023, mas usa informações que ainda não estão consolidadas para a comparação, o que para especialistas seria um erro tendo em vista que mais da metade dos óbitos estão em investigação

O Ministério da Saúde tem divulgado dados inconsistentes sobre a letalidade da dengue em 2024, além de inflar anúncio de repasses a estados e municípios contra emergências sanitárias.

A pasta diz que a letalidade da doença neste ano é menor do que em 2023, mas usa informações que ainda não estão consolidadas para a comparação, o que para especialistas seria um erro tendo em vista que mais da metade dos óbitos estão em investigação.

“A taxa de letalidade, em 0,3% dos casos, ainda é menos da metade do ano passado (0,7%), apesar de uma leve subida em relação à última semana (0,2%). Temos cuidado melhor dos casos, e as pessoas estão mais atentas aos sinais de alerta”, disse a ministra da Saúde, Nísia Trindade, nas redes sociais na quarta-feira (13).

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Para Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu, os dados de 2024 não deveriam ser usados para comparação com o ano passado, porque as informações de mortes de 2023 já estão consolidadas.

Em 2023, foram confirmadas 1.094 mortes em relação a 1,6 milhão de casos prováveis. Nesta sexta-feira (15), o Brasil ultrapassou os casos prováveis do ano passado e alcançou 513 mortes confirmadas, sendo que outras 903 estão em apuração. Ou seja, se a letalidade de 2024 fosse calculada com a soma das mortes em apuração, seria maior que a de 2023.

De acordo com o epidemiologista Wanderson de Oliveira, o indicador de letalidade mede a quantidade de mortes pelo número de casos. Ele pode ser útil para monitorar uma epidemia de dengue, mas deve ser interpretado com cautela devido às suas limitações.

Isso porque existem diversos fatores que podem influenciar no resultado, como casos leves que podem não ser notificados, dificuldade de acesso ao tratamento, além da qualidade do sistema de saúde que pode levar a uma falsa impressão de que a doença é menos grave do que realmente é.

“No momento atual, a prioridade deveria ser a implementação de uma força-tarefa para investigar os óbitos e compreender se as causas dessas mortes foram devido às características das pessoas ou à qualidade dos serviços prestados. Essa postagem foi muito infeliz, pois é fria e passa a impressão de que se trata de números. Para quem perdeu um ente querido, a letalidade é de 100%”, disse Oliveira, que atuou como secretário nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde de 2019 a 2020.

Outra questão apontada por Oliveira é a demora na atualização dos microdados, o que dificulta aos pesquisadores acompanhar com precisão o cenário não só do país, mas dos estados e municípios. Como exemplo, nesta sexta-feira (15), os dados mais recentes disponíveis eram do dia 9 de março.

O Ministério da Saúde foi questionado sobre os dados de letalidade, mas disse apenas que o processo de investigação do óbito é cuidadoso e demorado, além de contar com a participação de 5.570 municípios.

“Algumas doenças apresentam sintomas semelhantes aos da dengue, como a febre Oropouche. Esse fator faz com que haja necessidade de uma investigação mais aprofundada sobre o verdadeiro causador do óbito”, informou a Saúde.

O ministério também afirma que ampliou para R$ 1,5 bilhão a verba disponível ao combate às emergências em saúde, inclusive à dengue. O valor, porém, ainda não está disponível no orçamento da pasta.

Em nota, a Saúde declarou que a cifra bilionária é composta “por recursos discricionários que serão remanejados para o atendimento de emergências em saúde”.

Técnicos do próprio ministério afirmam, sob reserva, que o recurso anunciado é uma estimativa do que pode ser repassado por mês para as emergências em saúde.

Na prática, foram liberados cerca de R$ 60 milhões mais de um mês após o anúncio da verba. O município do Rio de Janeiro lidera os repasses, com R$ 16,2 milhões, seguido do Distrito Federal, que recebeu R$ 5,5 milhões.

Estados e municípios precisam declarar emergência em saúde e apresentar um plano de ação para receber a verba emergencial. O ministério exige que este documento mostre a situação epidemiológica e o cenário da rede de atendimento da saúde, entre outros pontos.

Até agora, a Saúde distribuiu o recurso para cinco estados e mais de 180 municípios. “Estão sendo analisados, para atendimento nos próximos dias, os pedidos de outros três estados -São Paulo, Amapá e Espírito Santo”, disse a pasta.

O ministério publicou em 9 de fevereiro a portaria que dita regras para a liberação da verba extra para as emergências em saúde. O recurso extra é transferido aos fundos de saúde de estados e municípios.

A verba serve para o custeio do atendimento à população. Ou seja, pode pagar equipes e outros custos para manter ou expandir o funcionamento da rede local de saúde.

A portaria impede o uso da verba para “construção ou ampliação de edificações e aquisição de material permanente”. “Os recursos de custeio poderão ser destinados à pagamento de pessoal, aquisição de medicamentos, logística e outras despesas correntes no âmbito da resposta à emergência”, diz o documento.

O ministério havia destinado no fim do ano passado R$ 256 milhões a estados e municípios para ações de “prevenção de endemias com ênfase em arboviroses”, como a dengue.

Além dos casos de aumento de contágio de determinada doença, os estados e municípios podem decretar emergência em saúde e pedir a verba extra quando há desastres ambientais ou situações de desassistência à população, segundo as regras do ministério.

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