Carnaval evoca Bahia e pagodão de Léo Santana, mas traz mistura de ritmos

Em 2023, não há receita para ter o hit do Carnaval.

Em 2023, não há receita para ter o hit do Carnaval. “Quanto mais as pessoas tentam encontrar uma fórmula, mais ela é quebrada, pelo menos desde que MC Loma e as Gêmeas Lacração, lá em 2018, em uma semana tiveram a música do Carnaval”, diz Junior Vidal, coordenador de marketing e artístico da plataforma de streaming Sua Música, voltada ao público do Norte e Nordeste.

Isso não significa que os artistas não produzam músicas para estourar no verão, e tocar o máximo possível no Carnaval. A festa de rua, seja nos shows em clubes, trios elétricos, blocos ou nas caixas de som, continua sendo um dos momento massivo de audição coletiva de música no Brasil.

Acontece que, cada vez mais, eles têm menos o controle do que faz ou não sucesso, e quando. Vidal conta que o Sua Música recebe uma leva grande de álbuns promocionais de artistas como Léo Santana –diferentes dos que ele publicam nas plataformas mainstream– por volta de novembro.

São os “discos de verão”, com regravações próprias ou alheias e faixas inéditas, contendo as apostas e uma amostra do repertório dos shows de determinado cantor nessa época do ano. É um movimento parecido com o que acontece entre abril e maio, só que mirando as festas juninas.

“A música deste Carnaval já foi definida”, ele diz, se referindo a “Zona de Perigo”, de Santana. “E foi pela criação de conteúdo, em aplicativos de vídeos curtos. Foi semana passada, mas poderia ter sido hoje ou meses atrás.”

“Zona de Perigo”, que bombou um mês depois de lançada, é o melhor exemplo disso. Publicada em dezembro, não era a música de trabalho de Santana, conforme ele mesmo disse a este jornal. Sua aposta era “Não se Vá”, uma parceria com Pedro Sampaio, que recebeu os investimentos da gravadora.

“Compor é ‘feeling'”, diz Rafa Chagas, um dos cinco autores da faixa, ao lado de Adriel Max, Fella Brown, Pierrot Junior e Yvees Santana. “É um sotaque afro-brasileiro. Trazemos a bregadeira e o pagodão baiano, que usa bacurinhas e surdos. Um pouco de R&B também.”

É possível ouvir toques de bachata, o ritmo caribenho muito presente no sertanejo contemporâneo, além dos arranjos de sax –estes, ideia de Santana. “Foi a parte mais chique da música”, diz Chaga. “Ele teve essa ideia e pediu para [o produtor] Rafinha RSQ botar.”

Além das questões musicais, a dancinha para o TikTok, criada por Edilene Alves –bailarina e coreógrafa de Santana há mais de 15 anos– foi fundamental. Mais acessível que as coreografias que inundam a rede social, a dança de “Zona de Perigo” levou a música a fazer sucesso depois de um vídeo do próprio Santana fazendo os passos.

Outra música lançada no fim do ano, “Ai Papai”, de Anitta, chega com força no Carnaval, mesmo após ser recebida sem tanto alarde. Trata-se de uma mistura de batida de piseiro com abordagem pop, mesclando os universos da cantora e de MC Danny, sua parceria na faixa.

“A gente perguntou se a Anitta queria um pop ou um funkão, e ela falou que queria algo que fosse Brasil, e com a Danny”, diz Wallace Vianna, do duo Hitmaker, que produziu a música. Breder, outra metade da dupla, diz que eles partiram do timbre de voz de Danny para criar a música.

Para eles, há uns cinco anos, não há mais um único hit do Carnaval. “Era o rádio ou a televisão que falavam o que você ia escutar”, diz Breder. Vianna afirma que, desde 2017, que teve hits como “Deu Onda”, do MC G15, e “Todo Dia”, de Pabllo Vittar com Rico Dalasam, esse título ficou pulverizado.

“Com as plataformas digitais na mão, o povo escolhe o que quer ouvir”, ele diz. “E, como o Brasil é um país muito misturado e rico, você vê que cada lugarzinho acaba tendo algo estourado.”

De fato, um levantamento do Ecad que contabiliza as músicas mais tocadas em clubes, casas de diversão, bailes de carnaval, shows e trios elétricos em todo o Brasil nos anos de 2018, 2019 e 2020, corrobora a ideia da dupla e de Junior Vidal.

Marchinhas clássicas como “Mamãe eu Quero” e “Ta-Hi” aparecem no topo das listas, dominada por clássicos do axé, como “Eva”, “Arerê”, “Baianidade Nagô”, “Prefixo de Verão” e “Milla”, músicas de exaltação à brasilidade, como “País Tropical”, sambas de enredo clássicos, caso de “Peguei um Ita no Norte”, além da dançante “Tesouro de Pirata”, do Tchakabum, e o samba “Vou Festejar”, de Jorge Aragão, entre outras.

Elas dividem espaço com hits do momento, como “Vai Malandra”, de Anitta, e “K.O.”, de Pabllo Vittar, em 2018; “Jenifer”, de Gabriel Diniz, e os funks “da Gaiola”, de Kevin o Chris, em 2019; “Contatinho”, de Léo Santana com Anitta e “Tudo Ok”, de Thiaguinho MT com Mila e produção de JS o Mão de Ouro. Há hits do funk, pop, forró, arrocha, pagode baiano e bregafunk, separados ou misturados.

O cardápio carnavalesco do brasileiro contemporâneo é uma mescla de clássicos da festa de rua com hits do momento. Dos ritmos populares no país, o que aparece com menos frequência é o sertanejo, que ainda é bastante escutado no verão, e recentemente vem se infiltrando no universo dançante.

É um movimento que começou há mais de dez anos, quando Gusttavo Lima e outros nomes passaram a incorporar o arrocha e outros ritmos mais suingados no Nordeste em suas músicas. Agora, quem lidera essa frente é o agronejo, que une temas rurais com batidas de funk e música eletrônica.

Ana Castela, a jovem estrela do gênero, por exemplo, este ano chega ao Carnaval com dois hits na pista –”Bombonzinho”, com Israel e Rodolffo, e “Roça em Mim”, com Zé Felipe e Luan Pereira. São músicas que podem não rodar todos os circuitos, mas certamente terão tração no Carnaval.

Há também os hits com força local, e capacidade para tocar no resto do país. O funk paulista, no estilo mandelão, tem os hits “Puta Mexicana”, do DJ Jeeh FDC com MCs Menor MT, Pelé e Yuri Redcopa, e “Bota na Pipokinha”, com a sonoridade dos bailes de São Paulo na produção de Felipinho 013.

Em diversas partes do Nordeste, quem toca é Nattan, com o piseiro romântico “Love Gostosinho”. Já no Norte, especialmente no Pará, o hit do momento é uma seresta sobre uma garota de programa, “Vendedora de Amor”, de Evoney Fernandes. Em Salvador, Thiago Aquino está em todas as caixinhas de bluetooth com “Erro Que dá Certo”.

E há diversas músicas empilhando números no streaming, mas correndo por fora. “Novinha do Onlyfans”, hit de Kadu Martins, vem perdendo força, mas continua muito tocada. “Proibidona”, pop de Gloria Groove com Anitta e Valesca Popozuda pode despontar, assim como as novas de Pabllo Vittar, “Cadeado” e “Balinha de Coração”, esta com Anitta.

Uma versão em português de “Say it Right”, hit do pop internacional de Nelly Furtado, também aparece entre as mais ouvidas dos últimos dias. Trata-se de “Lovezinho”, com Treyce, Kevinho e Taina Costa. Isso sem contar na aposta de Ivete Sangalo, única entre os grandes cantores do axé que conseguem emplacar novos hits, “Cria da Ivete”.

Mas é o pagodão baiano quem surge com mais vigor. O ritmo, marcado pelas bacurinhas –instrumento criado por Carlinhos Brown– e que hoje também flerta com a produção eletrônica para os paredões, existe desde o fim dos anos 1990. Na última década, despontou no Carnaval e fora dele com o Psirico de Márcio Victor e o Parangolé, ex-banda de Léo Santana.

Além de “Zona de Perigo”, a faixa “Deixar Eu Botar Meu Boneco”, de Oh Polêmico, vive um auge de popularidade no verão, dando sequência a outro sucesso dele, o “Samba do Polly”. O Kannalha, outro em ascensão no gênero, depois de estourar com “Fraquinha”, agora aposta na parceria com Pabllo Vittar em “Penetra”. Outro hit é “Mete Seu Cachorro”, de La Furia, que ganhou versão com vozes de Ludmilla.

“Houve um crescimento, muito graças aos aplicativos de vídeos curtos, do pagode baiano. Ele está, sim, num momento muito bom. Sinto que o pessoal começou a abraçar de novo”, diz Vidal. “Se não fosse ‘Zona de Perigo’, a música do verão seria do Polêmico –e ainda deve ser em alguns lugares.”

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