Marcando presença no Fórum Econômico de São Petersburgo, esta sexta-feira, Vladimir Putin, presidente russo, lançou duras críticas ao Ocidente, que acusou de ‘arrogância colonial’ e de procurar ‘acabar’ com a Rússia com as suas “estúpidas” sanções econômicas. Num discurso com um atraso de duas horas devido a um ataque informático, o chefe de Estado rejeitou ainda a responsabilidade da Rússia na crise econômica a nível mundial, sublinhando que o país foi “obrigado” a invadir a Ucrânia, de modo a assegurar a sua própria segurança e soberania.
Entre aplausos, o líder russo reafirmou a sua intenção de continuar a investida militar na Ucrânia, cujo principal objetivo seria, segundo o mesmo, defender a população russa na região do Donbass – uma justificação que tanto Kyiv como os aliados ocidentais descartam, perante a ocupação russa naquele país que vai, agora, além do Donbass.
Ainda assim, o responsável indicou que perante um “cenário de riscos e de ameaças crescentes para [a Rússia], a decisão de realizar uma operação militar especial foi forçada – difícil, é claro, mas forçada e necessária”.
“Os nossos colegas recusam a realidade e pensam com base em padrões do passado. Pensam que o resto do mundo é uma zona periférica, que faz parte do seu quintal. Tratam esses países como as suas colónias e os povos são considerados de segunda categoria. Isto é algo frustrante”, afirmou, acrescentando que esta é a base da “russofobia” do Ocidente e das sanções impostas contra a Rússia que, considerou, são “imprudentes” e têm como objetivo “esmagar a economia russa de uma só vez pela força”.
Contudo, Putin reforçou que a Rússia é “um povo forte”, que consegue “lidar com qualquer desafio”.
“Tal como os nossos antepassados, conseguiremos resolver qualquer problema, a toda a nossa história enquanto pais indica isto”, complementou.
O responsável considerou ainda que a União Europeia (UE) “perdeu completamente a soberania” e está “a dançar as músicas de outra pessoa”, atirando que o bloco europeu “faz tudo o que lhe é ditado”, infligindo “danos” à sua população, negócios e economia.
“Segundo estimativas de especialistas, a febre das sanções pode causar prejuízos diretos à UE de mais de 400 mil milhões de dólares (cerca de 400 mil milhões de euros) no próximo ano. Esse é o preço de decisões distantes da realidade e tomadas sem bom senso”, denunciou Putin, que apontou que inflação em vários países da zona euro já ultrapassou os 20%, em grande parte devido ao boicote aos produtos energéticos russos.
“O aumento dos preços, a inflação, os problemas com alimentos e combustíveis, gasolina, os problemas do setor energético como um todo são fruto de erros sistémicos na política económica do atual Governo norte-americano e da burocracia europeia”, explicou, desvalorizando os efeitos das sanções na economia russa.
“Estamos a normalizar a situação económica, passo a passo. Começámos por estabilizar os mercados financeiros, o sistema bancário e as cadeias comerciais. Depois, começámos a injetar liquidez na economia, para manter a estabilidade das empresas”, disse.
Frisou, contudo, que “nada será como antes” no que toca ao “sistema de relações internacionais”.
“Não podemos apenas sentar-nos e acreditar que tudo será como antes. Isso não vai acontecer. Parece que as elites governamentais de alguns países ocidentais continuam a optar por ignorar esta questão e voltam novamente a acreditar nos fantasmas do passado”, disse.
Naquele que caracterizou como “um momento difícil para toda a comunidade mundial”, Putin acusou ainda os Estados Unidos da América (EUA) e o Reino Unido de se verem como “deuses no planeta Terra, que não têm deveres”, após a Guerra Fria.
“Os EUA declararam vitória na Guerra Fria, tal como Londres, e mais tarde vieram a pensar em si próprios como deuses no planeta Terra, que não têm deveres, apenas interesses”, atirou.
Além disso, o chefe de Estado recusou responsabilizar-se pela crise alimentar global, lembrando que, apesar de os portos da Ucrânia estarem encerrados, o problema “não surgiu hoje”.
“A Rússia [não é] certamente culpada, embora estejam a tentar atribuir-nos as culpas, em tudo o que está a acontecer na economia mundial”, rematou.
Lançada a 24 de fevereiro, a ofensiva militar russa na Ucrânia já provocou a fuga de mais de 15 milhões de pessoas – mais de oito milhões de deslocados internos e mais de 7,5 milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da Organização das Nações Unidas (ONU), que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Além disso, cerca de 15 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária.
A ONU confirmou ainda que 4.452 civis morreram e 5.531 ficaram feridos na guerra, sublinhando que os números reais poderão ser muito superiores e só serão conhecidos quando houver acesso a zonas cercadas ou sob intensos combates.
A invasão russa – justificada pelo presidente russo pela necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia – foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e a imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos os setores.