Se a sabedoria popular ensina que a pressa é inimiga da perfeição, especialistas em tecnologia afirmam que, com ainda mais razão, o ditado se aplica à regulação da inteligência artificial, apesar de todo o frenesi provocado pelo ChatGPT.
Para ela, pelo menos duas características dessa nova tecnologia desaconselham a aprovação célere de uma lei.
Primeiro, os avanços nessa área têm sido muito rápidos; uma legislação votada num dia pode estar desatualizada no dia seguinte. E isso literalmente: basta imaginar o que teria acontecido se o marco regulatório passasse pelo Congresso na véspera do lançamento do ChatGPT.
A outra questão é a ausência de uma teoria específica sobre inteligência artificial; a evolução da tecnologia se dá por tentativa e erro, na base dos testes empíricos. Com isso, torna-se muito difícil, ou mesmo impossível, antecipar os desdobramentos.
De acordo com a professora, a complexidade da IA desautoriza tentativas de dar conta de todos os aspectos jurídicos de uma só vez e com uma entidade centralizada para cuidar da fiscalização, com uma regra geral.
“A IA muda a lógica de funcionamento da economia, ela é transversal, com impactos setoriais. Não vejo como ter regulação geral”, diz Kaufman. Ela cita como exemplo o setor bancário: “Ninguém melhor que o Banco Central para fiscalizar produtos de IA nesse campo.”
Danilo Macedo, líder de relações governamentais e assuntos regulatórios da IBM, menciona outro caso: os riscos no uso de um veículo autônomo na cidade são bem maiores do que no campo.
“Se endurecer demais o controle sobre o agronegócio, por exemplo, podemos perder um diferencial competitivo”, afirma.
Macedo considera crucial que o debate seja ampliado com mais atores, sobretudo o governo, que, diz ele, talvez seja o maior utilizador de IA no país. Tudo com o objetivo de aprofundar e amadurecer a discussão.
“Teve certa histeria, com algumas pessoas defendendo até uma moratória de pesquisa. Eu acho que gente tem que investir mais em pesquisa. É importante olhar os riscos, mas a gente tem que investir para que o Brasil seja um produtor de soluções para a sociedade”, afirma.
Uma das soluções foi apresentada por Alexandre Freire, hoje conselheiro da Anatel. Ele lembrou como a implantação de sistemas de IA no Supremo Tribunal Federal levaram a um grande ganho de eficiência na análise de processos na corte.
Exemplos de sucesso como esse ajudam a reforçar o ponto dos especialistas, que apontaram o risco não da IA em si, mas de travar a inovação nesse setor e deixar o país para trás no cenário mundial. Abraão Albino, superintendente-executivo da Anatel, seguiu na mesma toada.
“A Anatel lida com regulação há muito tempo. Se a gente não sabe direito o que a gente vai regular, para quem, como estabelecer limites e como cobrar esses limites, eu posso garantir que a gente vai errar”, diz.
Ele argumenta que a IA precisa servir à sociedade, agregando ganhos de eficiência e competitividade.
“Não adianta escrever um conjunto de regras que vai atrasar o país. Não adianta criar mecanismos que sirvam de travas normativas e impeçam a evolução de algo que a gente quer que evolua”, completa.
Para ele, o medo não é bom conselheiro. Em vez de regular com base no receio de danos que a IA possa causar, é melhor buscar mais evidências.
Um caminho para isso foi lançado neste mês pela ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e apresentado por Nairane Rabelo, diretora da autarquia: um projeto piloto de sandbox regulatório.
O modelo, também utilizado pela China, por exemplo, cria um ambiente controlado para que o público possa testar tecnologias associadas à inteligência artificial.
Pelo menos foi o que disseram os debatedores de uma mesa dedicada ao tema na Futurecom, evento de tecnologia realizado de 3 a 5 de outubro em São Paulo.
“É urgente o debate, mas não tem urgência na conclusão dele”, afirma Dora Kaufman, professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
O projeto de lei 2338/23, em tramitação no Senado, trata justamente desse tema. A ideia é aprovar um marco regulatório capaz de minimizar os riscos oferecidos pela nova tecnologia e estabelecer um órgão responsável por implementar a regra e fiscalizar o setor.
“Não é à toa que ainda não existe um marco regulatório no mundo ocidental. Isso reflete as dificuldades de pensar um modelo jurídico”, diz Kaufman.