Para uma criança que nasce em La Plata, na Argentina, basicamente só há dois caminhos a serem seguidos quando o assunto é o clube do coração. Ou você torce para o Estudiantes ou torce para o Gimnasia y Esgrima.
Mas Lucas Pratto, 30, é uma exceção. Hoje no River Plate, o atacante enfrentará na final da Libertadores o arquirrival Boca Juniors, time pelo qual torceu durante toda a sua infância e adolescência, e onde inclusive se formou como jogador de futebol.
Nem mesmo o irmão mais velho, Leandro, conseguiu fazê-lo mudar de ideia. Ele, que apoia o Gimnasia, diz entender a escolha do caçula. “Se você é inteligente, não torce para o Gimnasia”, brinca.
A mãe de Pratto, Daniela, é torcedora do Boca Juniors. O jogador recebeu forte influência, sobretudo de um dos tios, fanático pelo clube e que o levou algumas vezes à Bombonera para assistirem juntos ao período mais glorioso da história boquense, entre o fim da década de 1990 e o começo dos anos 2000.
Entre 2000 e 2003, o Boca só não conquistou a Libertadores uma vez (2002). Nos três títulos do período, a equipe teve como uma de suas figuras de destaque o atacante Guillermo Barros Schelotto, hoje técnico do time e rival de Pratto na decisão do torneio, sábado (10), em Buenos Aires.
Seu ídolo mesmo, porém, era o centroavante Martín Palermo, maior artilheiro da história do Boca, com 235 gols.
“Nós íamos à Bombonera como todos os garotos da pensão. Ele [Pratto] tinha como ídolo o Palermo, então quando assistíamos aos treinos ou aos jogos, ele reparava muito nos movimentos que [Palermo] fazia”, diz à reportagem o também atacante Oscar Trejo, companheiro de Pratto na base do clube e hoje atleta do Rayo Vallecano, da Espanha.
A ida de Lucas Pratto ao Boca, inclusive, passou pelo crivo de Palermo. Não do ídolo diretamente, mas do irmão do goleador, Gabriel.
Atleta do Cambaceres, modesto time da região de La Plata, o jovem Lucas Pratto foi perguntado por um de seus treinadores, Gustavo Sosa, se queria fazer um teste no Estudiantes ou no Gimnasia, destinos naturais para quem vive na cidade e busca uma chance de triunfar no futebol.
O garoto disse que não, pois já havia feito essa tentativa, sem sucesso. Gustavo Sosa então conversou com Gabriel Palermo para que o amigo levasse Pratto a um teste no Boca. Jogou 30 minutos, foi escolhido e já o levaram à pré-temporada do sub-17.
Estreou na categoria com gol diante do Gimnasia, o clube do irmão, e sob os olhares da mãe Daniela. No Boca, Pratto chegou para ser atacante, diferentemente de como atuava no Cambaceres, mais recuado, como volante.
Na base, teve o prazer de marcar no clássico contra o River Plate, seu clube atual. Balançar as redes do maior rival era como realizar um sonho de criança.
“Ele gritava muito [nos gols]. Como todos nós fazíamos. Fazer gol no superclássico, mesmo que seja na base, é sempre especial”, lembra Trejo, ex-companheiro de ataque.
Com bom desempenho, Lucas Pratto foi escalando categorias até chegar à “Reserva”, último estágio antes do time profissional. Na metade de 2007, com o clube campeão da Libertadores, foi chamado para a pré-temporada do time de cima.
Contudo, a forte concorrência em sua posição impediu seu crescimento no Boca Juniors. Chegou a ser emprestado ao Tigre, para depois retornar ao Boca e fazer seus únicos dois jogos oficiais pelo clube. Com poucos minutos em campo, a solução que encontrou foi buscar a sorte em outros lugares.
Em sua carreira, somou passagens por Chile, Noruega, Itália e Brasil -por Atlético-MG e São Paulo- antes de chegar ao River Plate, em janeiro de 2018, como a contratação mais cara da história do clube: 11,5 milhões de euros (cerca de R$ 45 milhões).
Desde que pisou no Monumental de Nuñez, fez 38 partidas e marcou apenas 9 gols -nos últimos 15 compromissos, marcou só uma vez. Números que o levaram a oscilar entre a titularidade e o banco de reservas. Enfrentou o Boca Juniors em duas oportunidades e saiu vitorioso em ambas, mas não balançou as redes.
Para o jogo de sábado, o primeiro da decisão continental, há boas chances de que o camisa 27 comece jogando. Ele foi titular na vitória sobre o Grêmio, em Porto Alegre, pela semifinal, e seu concorrente pela posição Ignacio Scocco deixou o gramado lesionado no último fim de semana, pelo Argentino.
A maioria das pessoas que conviveram com Pratto em sua juventude afirmam que ele era “muito bostero”, como são chamados os torcedores boquenses. Hoje, contudo, evitam se alongar sobre essa antiga relação de amor. Afinal, o atacante agora está do outro lado. Do lado de quem quer ver o Boca vice-campeão da Libertadores.