Como desmascarei um golpista que seduz mulheres pela internet

O repórter Athar Ahmad foi à Nigéria atrás do homem que se passava por um soldado americano para fazer com quem pessoas enviassem dinheiro para ele.

Roy Twiggs foi vítima de um golpe e teve um prejuízo de dezenas de milhares de libras — Foto: BBC

É uma conversa telefônica difícil de ouvir. A mulher do outro lado da linha pensa que seu noivo está nos Estados Unidos, mas os emails que ela tem recebido dele vêm de uma pequena cidade na Nigéria.

Cabe à detetive particular Laura Lyons dar a má notícia. Ela é especializada em investigar casos de golpes românticos pela internet em que uma pessoa se passa por outra, uma prática conhecida em inglês pela expressão “catfish”.

“É muito difícil explicar a alguém que a pessoa com quem ela se relaciona não existe, não é real”, diz Laura.

O golpes de catfish com frequência têm origem na África e usam textos padrão, histórias pensadas para mexer com o coração dos seus alvos e esvaziar suas contas bancárias.

Hoje, mais de um quarto dos novos relacionamentos começam por meio de sites ou aplicativos de relacionamentos, então, não faltam vítimas em potencial.

A maioria delas tem vergonha de procurar a polícia, mas, ainda assim, ao menos dez crimes de catfish são denunciados no Reino Unido diariamente. As pessoas afetadas por isso têm em média um prejuízo de 15 mil libras (R$ 72,16 mil).

A vítima recorrente de golpes

Roy Twiggs mostra as trocas de email com uma pessoa que se passava por uma mulher americana chamada Donna.

Roy pensava que eles estavam apaixonados e que iriam se casar. Ela começou, então, a pedir dinheiro para ajudá-la com um projeto de construção na Malásia.

“Parecia ser para algo plausível. Fui mandando 3 mil libras, 4 mil libras. Quando somei tudo, tinha pago para ela a maior parte das 100 mil libras que ela dizia que precisava.”

Aos 67 anos, ele deveria estar aproveitando uma aposentadoria confortável. Mas está pagando dívidas todo mês usando o que ganha de pensão. “Estou falido. Você se sente derrotado, devastado, acabado.”

No calendário na casa de Roy, há uma anotação preocupante: “$500”, ao lado de um nome, Sherry.

Uma anotação no calendário de Roy indica que ele foi novamente vítima de um golpe — Foto: BBC

Uma anotação no calendário de Roy indica que ele foi novamente vítima de um golpe — Foto: BBC

Ela é nova namorada americana de Roy. Eles se conheceram pela internet. Pelas mensagens que Sherry mandou, fica claro que a linguagem e os métodos usados são os mesmos do outro golpe.

Isso não é incomum: as pessoas por trás de um catfish são implacáveis. Se você já foi uma vítima, é provável que se torne um alvo novamente.

Fisgando um golpista pela internet

Quis desmascarar um golpista ao criar um perfil falso em um site de relacionamentos. Quase dois terços das vítimas conhecidas são mulheres, então, eu me tornei Kathryn Hunter, uma divorciada com uma vida confortável em busca do amor.

Não demorou para fisgarem a isca. Quatro homens me abordaram e todos diziam ser soldados americanos. Foi um sinal de alerta imediato.

Se apresentar como um militar é um disfarce comum, porque serve como uma desculpa para não se encontrar pessoalmente com a vítima, além de ser aparentemente um motivo legítimo para pedir que dinheiro seja enviado ao exterior.

Um dos soldados, que dizia se chamar Paul Richard, investiu pesado. No segundo dia, ele disse a Kathryn que estava apaixonado. No terceiro, falou que queria se casar com ela.

Ele logo levou a conversa para fora do site e me bombardeou com mensagens de texto. As mensagens chegavam mesmo tarde da noite, e havia mais esperando por mim ao acordar de manhã.

Depois de uma semana, Paul Richard diz que quer falar comigo pelo telefone. Uma colega minha se passou por Kathryn na ligação. O número de telefone usado por ele tem um código da Nigéria.

Depois de um breve silêncio, um homem com um forte sotaque africano começou a falar. Ele não soava nada como o soldado americano que estava na foto usada por ele. Mas Paul se justificou dizendo que estava resfriado.

A forma mais fácil de provar que se trata de um catfish é achar o dono das fotos usadas no golpe. Uma busca na internet me mostraria de onde elas vieram.

As três primeiras mandadas por ele não dão em nada, porque os metadados – as informações que as acompanham, como o momento e local em que as fotografias foram feitas, por exemplo – foram removidos.

Mas a quarta, uma selfie de Paul usando um uniforme militar, me levou ao perfil de Juan Avalos no Instagram. Ele é um fuzileiro naval e dono daquela e das outras fotos enviadas por Paul. Ele tinha em um sua página um alerta sobre catfish, porque muitos golpistas vinham usando aquelas imagens.

“Esses caras falam qualquer coisa e mentem para as pessoas”, diz Juan. “Já vi muitas destas mensagens, mas, mesmo quando eu digo que não sou quem pensam que sou, as pessoas não acreditam, porque estão profundamente apaixonadas.”

Na semanas seguintes, minha colega continuou a conversar com Paul Richard pelo telefone enquanto eu escutava tudo. Paul falava entusiasmadamente sobre uma futura vida a dois e sobre seus planos de se mudar para o Reino Unido para ficar com Kathryn quando sua carreira militar acabasse.

As conversas se tornaram mais longas e frequentes, pontuadas por beijos, flertes e um pedido constante para que eu enviasse fotos.

Só havia uma coisa no caminho de nossa felicidade: o filho de Paul estava doente e precisava de atendimento médico urgentemente. Ele pediu US$ 800 (R$ 3 mil) para pagar pelo tratamento do pequeno Rick.

Paul disse que o valor deveria ser entregue em dinheiro à babá do menino nos Estados Unidos, uma mulher chamada Marcy Krovak. Mas, ao contrário de Paul, Marcy é uma pessoa real.

Em busca de uma mula

Um golpista deste tipo precisa de uma pessoa real para coletar o dinheiro para eles já que algum tipo de identificação verdadeira precisa ser apresentada neste tipo de transferência.

Algumas destas mulas também são vítimas inocentes que são levadas a mandar o dinheiro para quem está por trás do catfish. Outras fazem parte do esquema.

Não sabia se Marcy estava ciente do golpe ou não. Fui a Slippery Rock, na Pensilvânia, onde ela mora. Mandamos um pequeno montante para ela por um serviço de transferência de dinheiro para ver se ela apareceria para pegar.

Passei os três dias seguintes dentro de uma van com vidros pretos do lado de fora do posto de coleta. Em vários momentos, avistei mulheres que pareciam que entrariam na loja, mas foram alarmes falsos.

Justamente quando pensava que aquilo não funcionaria, recebi uma notificação de que o dinheiro havia sido retirado usando um documento de Marcy – mas isso ocorreu a mais de 640km de distância, em Nova York.

Quando perguntei a Marcy o que havia ocorrido, ela disse também ser uma vítima de um catfish. “Alguém usou minhas informações para fazer isso. Não fui eu. Por favor, ache esta pessoa”, disse ela.

A identidade do ‘catfish’ é finalmente revelada

Parece que havia chegado a outro beco sem saída, mas o golpista cometeu um erro.

Paul Richard não apagou um nome – Dan Coolman – em uma de suas fotos no WhastApp. Busquei por todos os Dan Coolmans na Nigéria e encontrei um que tinha uma barbearia em Ibadan. Ele usava o mesmo número pelo qual o catfish me ligava.

Dan Coolman é mais um nome falso. O número estava registrado como sendo de Daniel Joseph Okechkwu. Uma conta de Twitter com este nome e a mesma foto finalmente revelou a identidade do golpista.

Daniel Joseph Okechkwu era o homem se passando por Paul Richard — Foto: BBC

Daniel Joseph Okechkwu era o homem se passando por Paul Richard — Foto: BBC

Fui a Ibadan, mas, quando cheguei, ele havia sumido. As portas da barberia estavam trancadas, e as pessoas ali disseram que estava assim há semanas.

Havia uma foto do meu catfish ao lado de um cliente na lateral do prédio, mas ninguém parecia saber aonde Daniel Joseph Okechkwu tinha ido.

Depois de três meses de conversas, liguei para o golpista para contar quem eu era.

Supreendentemente, ele não desligou logo de cara. Ele manteve a história de que era um soldado americando chamado Paul Richard e negou estar por trás de um golpe. Depois, desligou.

Parecia um fim decepcionante para aquela busca, mas ele voltou a ligar naquela mesma noite.

Desta vez, Daniel Joseph Okechkwu confessou. Disse que era o primeiro golpe romântico que aplicava e que tinha sido forçado a fazê-lo, porque sua barbearia havia fechado.

É uma jogada clássica. Mesmo quando descoberto, o catfish não desiste de aplicar um golpe.

Por BBC via G1

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