Em crise com Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), desde o ano passado, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) elevou o tom contra o ministro e anunciou a apresentação na Câmara dos Deputados de uma proposta que confronta com decisões do ministro.
O acirramento do conflito com Moraes acontece em meio às insatisfações de aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com o ministro, à disputa entre os Poderes Legislativo e Judiciário em diferentes temas e também a menos de um ano das eleições da Ordem, que definirão os próximos conselheiros federais e cúpulas estaduais da entidade da advocacia.
Na última quarta-feira (10), a tensão chegou ao auge quando, em um evento em Mato Grosso do Sul, o presidente da OAB, Beto Simonetti, ouviu um “fora, Xandão” da plateia, e respondeu: “nós vamos chegar lá”.
Simonetti também aproveitou o evento para anunciar a proposta que a OAB apresentará à Câmara com a intenção impedir que o ministro negue pedidos de defesa presencial, a chamada “sustentação oral”, em recursos no Supremo.
O objetivo, disse, é acabar “de uma vez por toda essa discussão de que o que vale mais é o regimento de um tribunal [o STF] ou é Estatuto da Advocacia”.
O discurso de Simonetti resvalou em decisões de Moraes contra o que o ministro considerou ataques à corte e às instituições nas redes sociais.
Simonetti disse que a liberdade de expressão não é absoluta, mas que a OAB não permitirá que em nome da liberdade haja “absolutismo contra a liberdade de qualquer forma, em qualquer tempo ou em qualquer campo”.
“Nós somos um país livre e seguiremos defendendo irrestritamente o direito à liberdade de expressão”, afirmou o presidente da OAB, cujo mandato à frente da entidade vai até o início de 2025.
A indisposição sobre o tema vem desde novembro passado, quando Moraes, que preside a Primeira Turma do STF, negou manifestação da defesa de um réu por contrabando de cigarros.
Moraes afirmou que o regimento interno do STF não permitia sustentação oral nos chamados agravos regimentais, e que esse entendimento prevalece sobre outras normas.
A negativa, à época, gerou uma nota da OAB a respeito do tema. A entidade disse ter “preocupação com a flexibilização ou supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa pelo Supremo Tribunal Federal”.
Depois dessa ocasião, Moraes chegou a alfinetar a OAB em outras ocasiões nas quais negou sustentações orais, como em um julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ainda em novembro passado. O ministro é o presidente da corte eleitoral.
“A OAB vai lançar outra nota contra mim, vão falar que eu não gosto do direito de defesa, vai dar mais uns 4.000 tweets dos meus inimigos, então vamos fazer a festa do Twitter e das redes sociais”, disse, ao afirmar que o regimento não previa sustentação oral naquela ocasião.
Em abril deste ano, houve um novo atrito entre a OAB e Moraes a respeito do mesmo tema. O ministro rejeitou a sustentação oral de um advogado na Primeira Turma do Supremo, e o criminalista Alberto Toron, que é conselheiro federal da Ordem, pediu a palavra.
Toron disse que uma lei de 2022 regulamentou o tema e permitia a fala ao advogado. “Ambas as leis [a de 2022 e o regimento do STF] tratam do mesmíssimo assunto, só que uma é posterior à outra e o critério da cronologia deveria prevalecer”, afirmou.
Moraes discordou e se queixou da manifestação de Toron. O ministro disse que o conselheiro da OAB foi à tribuna da Primeira Turma sabendo que não haveria sustentação oral. “[Assim], Nós realmente vamos complicar a questão”, disse o ministro.
As negativas viraram motivo para campanha da OAB contra o ministro, cujas insatisfações foram manifestadas em encontros com a cúpula da Câmara dos Deputados.
Na próxima semana, a Ordem pretende apresentar à Câmara o texto do que chamam de “PEC (proposta de emenda à Constituição) do Devido Processo Legal”.
Ao contrário de uma lei ordinária, uma emenda à Constituição suplantaria legalmente o regimento do Supremo, e Moraes não teria como impedir as sustentações.
Procurado por meio da assessoria do STF, o ministro Alexandre de Moraes não se manifestou a respeito das críticas da OAB e do projeto que será apresentado à Câmara dos Deputados.
Em momentos anteriores, a OAB também entrou em conflitos com Moraes, mas sempre tentou mostrar que simpatiza com as ações do STF contra os acusados de participarem de atos antidemocráticos desde a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Neste ano, após a Operação Tempus Veritatis, que investigou a suspeita de tentativa de um golpe de Estado após a eleição de 2022, a Ordem questionou a decisão que proibiu a comunicação entre investigados, “inclusive através de advogados”.
“Advogados não podem ser confundidos com seus clientes”, disse, à época.
Ao responder ao questionamento da OAB, Moraes afirmou que nunca vedou que os advogados das partes se comuniquem. Segundo ele, havia apenas a proibição para que os seus clientes troquem recados ou combinem versões, seja por si próprios ou por meio de terceiros, inclusive advogados.
A decisão foi celebrada em notas da OAB, que entendeu que o esclarecimento afastou “qualquer interpretação divergente e reforça prerrogativas da advocacia”. Uma parcela de advogados criminalistas, porém, entendeu que Moraes não atendeu às solicitações da classe e manifestou instatisfação com a decisão do ministro.
No ano passado, em outro episódio de conflito entre os advogados e o ministro, a OAB criticou o extenso uso do plenário virtual em vez de manifestações presenciais, sobretudo em ações relacionadas aos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, nos quais as sedes dos três Poderes foram depredadas.