Renato x Jesus: água na fervura

Renato diz ao blog que não tem nada contra rubro-negro e que não se importa com elogios ao português

O tom desafiador de Renato Gaúcho ante os estrangeiros Jorge Jesus e Jorge Sampaoli me causou certa estranheza. Conheço o técnico do Grêmio há exatos 30 anos, tempo suficiente para ver nele um sujeito do bem, generoso, que, mesmo com personalidade forte e gostando de promover duelos, eu nunca tinha visto atacar colegas gratuitamente.

Assim, como manda o bom jornalismo, conversei com Renato sobre a infeliz entrevista que deu sobre os Jorges. Ao blog, ele foi mais próximo do profissional com quem sempre lidei: conciliador, ponderado, apesar de, como o blogueiro, manter suas opiniões.

Sobre a crítica que recebeu neste blog:

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Acho que você pegou pesado. Eu não quero de maneira nenhuma me comparar ao Jorge Jesus. Mas eu conquistei fora do Grêmio também. Copa do Brasil 2007 no Fluminense, e fui vice da Copa do Brasil em 2006 com o Vasco. Mas você tem todo o direito de ter a sua opinião, nem precisa se sentir obrigado a publicar a minha versão.” Disse a Renato que comparei com a competição que ele citou, ao dizer que Jesus “só” ganhou três campeonatos nacionais em Portugal.

A Copa do Brasil não é o Campeonato Brasileiro. Este Renato também não ganhou. E vice é um “quase” título. E “quase” títulos Jesus também tem. Um quase na Liga Europa e vários “quase” no Português, já que lá, dos grandes, quem não ganha é vice ou terceiro.

Eu não tenho e nunca tive absolutamente nada contra ele nem contra o Sampaoli. Mas me perguntaram na coletiva e dei minha opinião. Ele nunca tinha saído de Portugal e só tinha três nacionais. Às vezes, vocês (a imprensa) não entendem o que quero dizer. Não desrespeitei a idade dele, quis dizer que ele tem 65 anos e, portanto, tinha tempo para ter trabalhado fora de Portugal, na Europa.” Argumentei com Renato que ao citar simultaneamente Jesus e Sampaoli (“não ganhou nada, foi eliminado do Paulista e na Sul-Americana foi eliminado por um time que eu não conheço”), ele demonstrava uma atitude hostil aos estrangeiros, ou seja, xenófoba.

Renato não é xenófobo, de modo algum, mas o que ele disse na coletiva, sem as ressalvas feitas a mim (“não tenho nada contra ele, não quero me comparar com ele”), soou xenófobo, daí as críticas. E lembrei que há técnicos brasileiros fazendo trabalhos muito piores do que os dos estrangeiros e Renato não os criticou. Também disse a ele que seu trabalho no Grêmio é muito bom, e que para exaltá-lo não é preciso desmerecer ou desdenhar do sucesso de outrem.

Sobre a declaração de Jesus, dada há um ano, de que os técnicos brasileiros eram desatualizados (lembrei a Renato que o técnico Cuca tinha sido extremamente elegante com o colega, dizendo que a declaração fora feita em outro contexto e que hoje, trabalhando no Brasil, ele não diria isso):

Não concordo com o que Jesus disse. Mas falei porque me perguntaram. Também acho que hoje ele não falaria isso. Se alguém te disse que eu fiz os comentários porque Jesus criticou os técnicos, está enganado, não estou nem ligando para o que ele falou ou deixou de falar.”

Sobre o trabalho de Jesus no Flamengo:

Ele está fazendo um trabalho excepcional. Ninguém discute isso, e eu não me importo nem um pouco em que todos elogiem. Apenas acrescentei que é bem mais fácil ganhar num time que tem os recursos que têm o Flamengo.” Lembrei a Renato que assim como ele pode opinar sobre os outros, o blog pode opinar sobre o que ele fala e discordar. Renato disse que Jesus tem a obrigação de ganhar. Mas, no fundo, ele sabe que no futebol ninguém tem obrigação de ganhar. Fosse assim, quem tem mais dinheiro tem obrigação de ganhar, insisto: ele teria a obrigação de ter vencido a LDU com o Fluminense em 2008. A melhor fonte para reflexão nesse tema é o saudoso Johann Cruyiff, que dizia nunca ter visto sacos dinheiro marcando gols e vencendo jogos.

Sobre o próximo encontro de ambos:

Eu sempre cumprimento todos os treinadores antes e depois dos jogos. E quero também cumprimentar Jorge Jesus. Mas não sei se devo fazer isso. Porque criaram tanta onda em cima de nós que não sei como vai ser interpretado esse abraço…” Sugeri a Renato que abrace seu oponente. “Não haverá gesto melhor para você demonstrar publicamente que, de fato, nada tem contra ele”.

Renato tem tempo de bola e de vida para, de cabeça fria, perceber que foi indelicado e nada gentil com Jesus. Conheço muito bem sua boa índole, ao mesmo tempo sou filho de emigrantes espanhóis, que chegaram aqui no início dos anos 50 com centenas de portugueses e italianos para tentar a vida. E sei que não é fácil chegar num país estranho e encontrar gente remando contra, seja com o polpudo salário do técnico do Flamengo, seja com uma mão na frente e a outra atrás como meus pais.

Prefiro, ao fim e ao cabo, imaginar que Renato foi apenas sincero quando confrontado com Jesus numa coletiva, do que tenha tido de caso pensado corporativista ou hostil a estrangeiros. Nem Renato nem Jesus ganharão absolutamente nada atacando diretamente ou com ironias um ao outro. O duelo que eles precisam vencer não é com a boca, é com a bola. A partir do próximo dia 2, quando Grêmio e Flamengo começam a decidir seu destino na Libertadores, Renato e Jesus terão muito mais argumentos para falar sobre o trabalho do outro. Que chegue logo o dia desse duelo de grandes treinadores e jogadores, para que entre o futebol e saia o mimimi…