ALE-RO aprova projeto de lei que proíbe uso da linguagem neutra na grade curricular de Rondônia

Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero LGBTQIA+ da OAB-RO diz que medida é inconstitucional.

Nesta semana, a Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) aprovou o projeto de lei nº 948, de autoria do deputado Eyder Brasil (PSL), que proíbe o uso linguagem neutra na grade curricular, materiais didáticos das escolas públicas e privadas de Rondônia e editais de concursos públicos.

Em nota enviada à imprensa, o deputado diz que a linguagem neutra é uma “aberração” e “deturpação” da língua portuguesa.

O texto do projeto indica que o objetivo seria estabelecer “medidas protetivas ao direitos dos estudantes” e ressalta que as instituições que ministram “conteúdos adversos” [como a linguagem neutra] podem sofrer sanções, pois “prejudicam indireta ou diretamente o aprendizado na língua culta”.

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De acordo com o presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero LGBTQIA+ da Ordem dos Advogados de Rondônia (OAB-RO), Cleverton Reikdal, o projeto de lei é inconstitucional por violar o direito ao desenvolvimento pleno educacional.

“O ensino deve ser emancipador, o centenário do Prof. Paulo Freire esteve aí para contribuir nesta lembrança, a nossa Constituição tem norma determinando que a educação será efetivada com base na liberdade de aprender, ensinar e pesquisar”, aponta.

Reikdal ressalta ainda que a grade curricular em todo território brasileiro é estabelecida pelo governo federal, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e não é competência do Estado legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Essa é competência privativa da União.

O que é linguagem neutra?

 

A linguagem neutra – ou neo linguagem – é uma proposta de mudança da língua portuguesa que tem a intenção de acolher as pessoas que não se identificam ou não se sentem confortáveis com os pronomes masculinos e femininos.

 

O projeto sugere o reconhecimento das letras e artigos que não identificam os gêneros das palavras, como “e” e “u”. Logo palavras como “amigos”, seriam grafadas como “amigues” e “ela” ou “ele” se tornaria “elu”.

 

Vini Pezzin é psicólogue não-binárie e estuda a neo linguagem para utilização cotidiana. Segundo elu, demonstra o apagamento da identidade de gênero não-binária.

“Essa lei veio principalmente para atrasar progressos, por mais que sejam progressos lentos, e para continuar reafirmando que pessoas não-binárias não são válidas e que elas não pertencem a nossa sociedade atual”, aponta.

Texto da lei

 

Na justificativa, o projeto de lei de Eyder, que é formado em administração, cita que a língua portuguesa já possui um pronome neutro: o masculino. Afirma também que “não há qualquer machismo na língua portuguesa”. Essa afirmação é rebatida pela doutora em Linguística e Língua Portuguesa, Nair Ferreira Gurgel.

“Não é a mesma coisa de você dizer que existe o gênero neutro e esse gênero neutro ser masculino. Então não é neutro. Sendo masculino ele não é neutro. Se você tem que concordar, por exemplo falar de “pai e mãe” no plural, você fala “pais”, se você vai falar de “aluno e aluna” você fala “alunos”. Sempre no masculino, então é machista sim”, explica.

O projeto de lei justifica ainda que a linguagem neutra “afasta as pessoas e polariza a sociedade”.

“O que está polarizando a sociedade é o medo e a ignorância. A linguagem neutra não vai acabar com os valores de ninguém, pois ela é uma expressão de valor de uma determinada cultura. E esse é mais um direito constitucional, de expressar e ter a sua cultura reconhecida e protegida”, argumenta Reikdal.

O chefe da Comissão de diversidade da OAB-RO ressalta ainda que é de responsabilidade do poder público trazer à tona o debate de um assunto tão relevante.

“O Estado deveria aprender mais com esse movimento, ao invés de fazer uma caça às bruxas, e começar a ser mais inclusivo […] Escolher a linguagem neutra para falar em afastamento de pessoas é moralismo”, aponta Reikdal.

De acordo com a doutora Nair Gurgel, é importante entender que a língua é um organismo vivo e por trás dessas reivindicações existem pessoas que não estão se sentindo contempladas. Logo, o assunto precisa ser amplamente discutido.

“As mudanças que aconteceram na língua, a maioria delas foram muito rejeitadas. Desde aquela época, as pessoas achavam impossível que aquilo viesse acontecer e com passar do tempo aconteceu”, relembra.