Deputados debatem políticas públicas para combate à violência contra criança e adolescente

Por ano, cerca de 800 casos de violência contra crianças e adolescentes são registrados em Porto Velho, segundo dados do Creas

Na manhã desta sexta-feira (4), o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente, da Mulher e do Idoso (CDCAMI) da Assembleia Legislativa, deputado Alex Silva (PRB) realizou audiência pública para discutir aprimoramentos de políticas públicas para combate à violência física e sexual da criança e do adolescente. O evento contou com a participação de várias entidades envolvidas com a problemática.

Segundo o proponente da audiência, os números comprovam a necessidade de uma atenção especial por parte do Estado em relação ao tema proposto. “Precisamos aperfeiçoar as políticas públicas para melhor assistir e cuidar das nossas crianças e adolescentes. Eles precisam ter seus direitos garantidos, precisam de proteção, educação, uma infância e uma adolescência com dignidade e respeito”, explanou Alex Silva.

O psicólogo do Centro de Referência Especializada de Assistência social (Creas), Gyovani dos Santos Lima apresentou dados e número importantes sobre a violência contra crianças e adolescentes em Porto Velho, com cerca de 800 casos registrados por ano, só na Capital, sendo que apenas 300 são atendidos nos Creas. “Realizamos um protocolo para que essas crianças sejam ouvidas, protegidas e não sejam revitimizadas”.

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Afirmou que esses números são assustadores pois não sabem se as demais 500 crianças e adolescentes foram atendidas, de que forma foram orientadas, bem como as famílias. Segundo ele, existe uma grande e clara deficiência de recursos humanos, “a falta de profissionais competentes na ponta prejudica todo o andamento do processo, pois são apenas seis psicólogos e dois assistentes sociais para uma demanda que só cresce”, lamentou.

Disse que existem outros órgãos que trabalham com a proteção da criança e do adolescente, porém, também sofrem com a defasagem de profissionais competentes. “Antes de falar em defesa é necessário falar em mão de obra especializada para atender as necessidades, que são diversas. A violência mais grave é a sexual”, frisou. Segundo Gyovani uma menina que sofre violência sexual tem mais chance de se tornar uma mulher vítima de violência doméstica.

Apontou os fatores de risco, afirmando que a violência sexual está muito associada a questão socioeconômica, especialmente na zona leste da capital, onde a cada dez casos registrados de violência contra criança e adolescente, sete são da zona Leste. Região mais populosa da cidade, e que tem o pior índice de desenvolvimento humano. “Tudo isso contribui para esse tipo de violação dos direitos”, pontuou.

Como sugestão disse que as crianças precisam ser orientadas sobre o que é uma exploração, um abuso, uma violência, para que elas também possam identificar e tenham voz para denunciar, pois muitos agressores estão dentro de casa e isso causa medo das famílias em denunciar. “ É necessário ter uma renda familiar para as famílias que sofrem esse tipo de violação, pois muitas vezes deixam de falar por conta da impossibilidade de se auto sustentar. Isso vira um ciclo”, encerrou.

Defensoria Pública

A Defensora Pública Maríllya Gondim Reis, fez uma explanação sobre o que é a rede de proteção da criança e do adolescente. Segundo ela, essa rede tem furos e que precisam ser consertados para garantir o direito dessas pessoas. É preciso criar um protocolo especifico, para organizar desde o atendimento eficiente, o encaminhamento, até a conclusão desse trabalho.

Apresentou slides sobre as medidas de prevenção, que é um dever de todos, como o trabalho de integração com outros órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar e demais conselhos de direitos da criança e do adolescente.

Sobre a política de atendimento, ela reitera a necessidade da união desses poderes para garantir o mínimo de assistência a essas vítimas. Apresentou números sobre os atendimentos da defensoria, destacando os casos mais recorrentes como o abuso sexual, além da produção, armazenamento e divulgação de imagens de sexo explícito, pornografia infantil, maus tratos e lesões corporais.

Gondim mostrou ainda, que 70% das ocorrências apontam a família como o maior violador dos direitos da criança e do adolescente. Segundo ela, uma pesquisa para identificar os fatores e parâmetros para saber quais países tem mais comprometimento com a defesa dos direitos da criança e do adolescente, o Brasil aparece em 11º. “Temos uma posição confortável, porém muitas ações e políticas públicas devem ser melhoradas, pois, os números são preocupantes”, afirmou.

A defensora parabenizou a Casa de Leis em propor o debate, e disse ser preciso iniciar uma serie de engajamento propositivo em defesa do tema.

Ausência do Estado

O Promotor de Justiça Everson Antônio Pine, foi enfático ao falar sobre a falha do Estado na questão de políticas públicas para o caso. Que a figura, e a obrigação do estado não é cumprida a contento. “Esse roteiro de gestão precisa ser revisto. Precisamos de políticas de estado e não de governo”, disse.

Disse ser muito clara a ausência completa do Estado, pois a rede de atendimento não consegue movimentar a máquina pública para atuar de forma eficaz. “ As coisas não funcionam. Falta mão de obra qualificada, veiculo, ambiente adequado. Sem dinheiro e investimentos não se faz nada. A legislação é maravilhosa, espetacular, mas se não for implementada, de nada adianta. Pois com a falta de recursos, para desenvolver os projetos, o sistema não funciona”. Frisou.

Everson anunciou que existem, depositados em conta judicial, R$ 19 milhões para construir unidades de internação nova, com padrão internacional, mas há três anos não conseguem fazer nada. Ele pediu investimentos em profissionais, ambientes apropriados, políticas de valorização do setor, para que as mudanças aconteçam. “É preciso rediscutir o modelo de estado. O recurso precisa chegar lá na ponta especialmente para os técnicos, se isso não acontecer vamos continuar chovendo no molhado”, encerrou.

Saúde Pública

A coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Maria dos Anjos – CDCA/RO, Denise de Carvalho Campos, reafirmou que a violência sexual contra crianças e adolescentes é um grave problema social e de saúde pública e que afeta todas as classes sociais e todas as religiões. “Esse não é um problema novo. Quando saiu na mídia que Porto Velho estava em 1º lugar no ranking de estupros de crianças, isso não foi surpresa no centro. Não é de hoje que pautamos essa questão nos espaços públicos, já fizemos diversas audiências, contudo pouco foi feito”, ressaltou.

Maria do Anjos afirmou ainda, que os dados registrados, representam uma pequena parte do número de casos que realmente acontece. “O Estado não tem uma política Estadual para o enfrentamento de violência contra crianças e adolescentes e isso não é por falta de pactuações. Os compromissos são feitos, são firmados, mas infelizmente não vemos avanços nas políticas públicas efetivas com recursos disponíveis e nem interesse em fazer valer os direitos”, pontuou.

A coordenadora apontou também, que caso uma criança ou uma adolescente sofra qualquer violência, ela não tem onde receber atendimento pelo Estado. “Hoje uma criança que passou por violência, ela não tem onde receber um atendimento psicológico, terapêutico, sistemático, ela não tem onde recorrer. Temos parcerias com faculdades de psicologia, mas isso é uma obrigação do Estado. O Estado é o maior violador e o Ministério Público precisa se posicionar”, disse.

Termo de Compromisso

Segundo a psicóloga do Programa Saúde na Escola (PSE) da Secretaria Estadual de Educação, Laís Reis de Castro, o programa está presente nos 52 municípios de Rondônia, contabilizando 701 escolas e 247 mil estudantes atendidos. “Dentro das ações do PSE, temos a ações cinco que trata da prevenção das violências e dos acidentes que está diretamente ligado com o tema debatido. Trabalhamos com prevenção, mas que o nosso trabalho seja efetivado, precisamos que as equipes pactuadas no programa façam de verdade o trabalho com os estudantes, pois vemos no monitoramento que o que foi firmado no termo de compromisso não está sendo realizado pelos municípios”, salientou Laís.

A Conselheira do 2º Conselho Tutelar de Porto Velho da Rede de Enfrentamento da Criança e do Adolescente, Marina Falcão, enfatizou a função do conselho tutelar. “ O conselho tutelar é um órgão que atende quando acionado e quando existe uma violação de direito das crianças e adolescente”, disse.

Marina Falcão ressaltou que a maior violação contra as crianças e adolescestes em Porto Velho acontece na zona Leste. “Temos 4 conselhos, divididos entres os bairros do município. Trabalhamos 24 horas em regime de plantão e estamos prontos para atender todas as ocorrências desse tipo de enfrentamento”, observou.

Programa Criança Protegida

O Secretário Adjunto de Segurança, Defesa e Cidadania (Sesdec), Hélio Gomes Ferreira, apontou que o Governo Federal estabeleceu o programa Criança Protegida e que Rondônia já está trabalhando conforme as diretrizes estabelecidas. “Através desse programa, as secretarias estarão trabalhando interligadas, trabalhando de forma consciente e precisa. A Sesdec tem uma responsabilidade muito grande com a Polícia Militar na questão da prevenção, com a Polícia Civil na repreensão. Estaremos todos fazendo sua parte nessa rede de enfrentamento”, disse.

Segundo a secretária adjunta de Ação Social (Seas), Liana Silva, o programa de governo do governador, Marcos Rocha, tem como prioridade a Proteção dos direitos fundamentais do cidadão e da família rondoniense. “Estou com uma esperança imensa no meu coração de que a implantação do planejamento estratégico desenvolvido pelo governador irá atuar na prevenção da vulnerabilidades e proteção a população em casos de violações à dignidade humana”, ressaltou.

A adjunta da Seas falou também da importância do Programa Criança Protegida do Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos, sob a coordenação e gestão Seas. “Saímos na frente, e fomos o primeiro Estado a aderir e implementar este programa. Em nome do governador e da primeira dama, posso dizer que estamos fazendo o nosso papel no enfrentamento dos graves problemas de violência e violações dos direitos da criança e adolescente. Na próxima vez que voltarmos aqui, teremos resultados positivos para apresentar”, observou Liana.

Sem avanços

O diretor geral do Instituto Médico Legal (IML), Demival Queiroga Junior, disse que não viu grandes mudanças durante todo o tempo à frente do instituto. São 26 médicos legistas em Porto Velho, para atender todo o Estado. Um número infinitamente inferior as necessidades do Estado.

Falou ainda, sobre a estrutura precária do IML, e que precisa, urgentemente, de reforma e ampliação para poder oferecer um melhor atendimento à população, especialmente nestes casos, onde a vítima é uma criança ou adolescente. “Após 10 anos de construção, só agora, há três meses, o prédio passa por reparos, mas que ainda não atendem as expectativas” frisou.

Ao encerrar, Queiroga destacou que muitas mudanças de comportamento só vão acontecer com investimentos na educação, inclusive a sexual, com orientação as crianças, jovens e adolescentes e também as famílias”.

O deputado Eyder Brasil (PSL), disse que já participou de algumas audiências para tratar sobre o assunto e garante que o déficit de profissionais é uma grande barreira no atendimento as vítimas.

Afirmou ser um grande colaborador na resolução desses problemas, e que na última semana, teve aprovada, a criação da Frente Parlamentar de Combate à Violência a Criança e ao Adolescente, de sua autoria. “Agora existe mais um mecanismo que vai ajudar de alguma forma no combate, ajudando a rede de enfrentamento neste grande problema que atinge nossas crianças”, pontuou.

Responsabilidades

O deputado federal Léo Moraes (Podemos), que faz parte da Comissão de Combate à Violência Contra a Mulher na Câmara Federal, disse que os relatos e testemunhas de pessoas que participam da rede de enfrentamento são dotados de muito sentimentos, aflições, aspirações e anseios, e que não se deve transferir as responsabilidades.

Afirmou que cada Poder Público deve atuar dentro das suas áreas para suprir as necessidades da sociedade. O Executivo na formulação de políticas públicas e liberação de orçamento, o Legislativo na criação de leis eficientes para coibir ações contra a violência.

Sobre atuação na Câmara Federal falou sobre as mudanças na reformulação do código de processo penal. Informou que foi o relator do projeto de lei, aprovado na CCJ, que torna o crime de estupro imprescritível. E que também relata outro o projeto, que define o crime de pedofilia hediondo. “São mudanças essências para atender a sociedade. O que pode promover uma mudança de comportamento do ser humano, pois com penas mais rígidas quem sabe as pessoas pensem duas vezes em praticar atos de violência contra crianças e adolescentes.

Ao encerrar, o deputado cobrou da Seas o uso de recursos liberados, via emenda parlamentar, para a aquisição de dois veículos para os conselhos tutelares, e desde novembro de 2018 o dinheiro está na conta e não foi utilizado. “Enquanto isso, as crianças ficam sem atendimento e sofrem as graves consequências da violência”, lamentou.

Dados absurdos

Após todas explanações, o deputado Alex Silva declarou que antes de ser deputado é pai e pastor e preza muito pela família. “Como presidente da CDCAMI, estamos envolvidos diretamente com essas questões, estamos diariamente nos lares das famílias rondonienses. Os dados apresentados hoje, são absurdos e entristecedores. Eu já conhecia nossa realidade, mas confesso que fiquei ainda mais preocupado. Essa audiência vai surtir efeitos, pois temos Leis que garantem a proteção as crianças e adolescente e trabalharemos para que elas sejam cumpridas”, finalizou.